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Entre carreira e maternidade, mulheres equilibram forças

A pandemia do novo coronavírus (covid-19) revirou a vida de todos, incluindo as dinâmicas de trabalho, as crianças que deixaram de ir à escola e até a forma de fazer compras no mercado. Neste cenário, especialistas apontam que as mulheres são mais afetadas. Um dos motivos é a atribuição dos serviços domésticos não remunerados, ou seja, os cuidados da casa e da família, que se tornam ainda mais intensos.

Alessandra Lopes Pereira, 34 anos, tem um filho de 5 anos e atua na linha de frente no tratamento a pacientes com covid na UTI do Hospital de Caridade São Vicente de Paulo (HCSVP). Cumpre uma rotina de 14 horas de trabalho como enfermeira e, desde o início da pandemia, 27 de março, lida com a jornada dupla.

“Não tem sido fácil, até porque nesta carga de trabalho inclui o emocional e, portanto, é desgastante. Quando chego em casa, além de tudo, preciso tomar todos os cuidados com a higienização para não contaminar meu filho, com quem não mantenho contato físico desde o início da pandemia.”

Dupla jornada, como a exercida pela Alessandra, não é nenhuma novidade. De acordo com o núcleo de estudo de gênero do Insper, em 2019, esse cuidado com a casa e a família tomou 21 horas semanais, uma diferença de cerca de 10 horas a mais do que os homens.

Alessandra é uma das evidências claras da força da mão de obra feminina estar atrelada à pandemia da covid-19. No setor de saúde global, elas representam 70% da força de trabalho. No Brasil, as mulheres são 65% dos mais de 6 milhões de profissionais e, na enfermagem, 85%.

Agora, com a retomada econômica e com a reabertura gradual das cidades, a dinâmica pode ficar ainda mais afetada, já que muitas dessas mulheres precisam retornar ao trabalho enquanto os filhos não voltarão à escola.

O que não acontecerá com Lívia Lima, 34 anos. Ela faz parte do último levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que aponta mais de 12 milhões de desempregados no Brasil.

Lívia trabalhava como Acompanhante de Pessoa com Deficiência (APD) em uma escola estadual, no bairro do Fazendo Grande, em Jundiaí, mas com a suspensão das aulas, teve o contrato cancelado. “Fui dispensada logo no início da pandemia e, desde então, sobrevivo com a pensão alimentícia e a ajuda dos meus pais”. Lívia tem um filho de 12 anos e sustenta a casa sozinha.

Em busca de uma recolocação no mercado de trabalho, ela revela que a maternidade passou a ser um critério de contratação. “Hoje quando você chega para uma entrevista, a primeira coisa que me perguntam é se você tenho filhos e com quem deixar. Estou certa de que não fui chamada porque sou mãe, mas as empresas deveriam contratar exatamente por isso.”

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) revelava já no início da pandemia, em meados de março, que o número de mulheres fora do mercado de trabalho somava dois milhões a mais que o número de homens. Além da demissão, elas têm mais dificuldades para procurar uma vaga e se manter no mercado.

Cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que esta é a primeira vez nos últimos três anos que a maioria das mulheres está fora da força de trabalho. São sete milhões de mulheres longe do mercado de trabalho.

“Se a participação feminina ainda fosse a média dos três anos anteriores, o esperado seria haver 46 milhões de mulheres na força de trabalho e 41 milhões fora dela. A maioria das mulheres estava na força de trabalho. Agora, a maioria ficou fora”, afirma Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea que desagregou os dados trimestrais do IBGE em quinzenais, para isolar o período inicial da quarentena.

Um velho mundo novo

E qual será, ao fim e ao cabo de todo o drama atual, o resultado desse descompasso? A Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou, em relatório divulgado em junho, um risco: o de as mulheres retrocederem na conquista de espaço no mercado de trabalho.

Para a coordenadora de Recursos Humanos, Larissa Gonçalves, 32 anos, a questão deixou de ser a diferença de gênero. “A partir de agora a mulher precisa ter um plano B para manter os seus filhos seguros enquanto assumem as responsabilidades no trabalho.”

Neste sentido, Larissa vislumbra, em um horizonte não tão longínquo, mulheres tendo que optar entre a carreira e a maternidade. “Arrisco a dizer que tenho amigas que planejavam engravidar e já descartam esta possibilidade por conta de tudo o que está acontecendo”.

Olhando na mesma direção, nem tudo são perdas. Larissa acredita que profissões começam a despontar como novas tendências no mercado de trabalho, tendo como perfil preferencialmente feminino. “Houve um aumento considerável por professor particular, educador físico que desenvolve recreação em casa e até babá”.

Mãe de uma menina de cinco anos, Larissa acredita que a normalidade depende da retomada do calendário escolar. “Até lá, as mulheres terão que se conciliar com uma realidade de trabalho (home office), mãe e dona de casa”.

Na pandemia do coronavírus, a jornada cumprida sozinha

Quatro meses depois da covid-19 ter desembarcado no Brasil, já é possível enxergar quem mais saiu perdendo na brusca interrupção da atividade econômica, com as pessoas confinadas dentro de casa: as mulheres estão sendo muito mais atingidas do que os homens.

Para a professora da Escola de Negócios da Associação Comercial Empresarial de Jundiaí (ACE), Caterine Berganton, ainda é muito cedo para identificar com precisão esta divisão, mas faz um alerta. “Este modelo de trabalho remoto e em casa exige novas competências, como adquirir uma cultura organizacional com flexibilidade de horário. Caso contrário, esta mulher vai trabalhar muito mais do que o previsto.”

De volta à comparação, na lida do cotidiano elas sofrem mais prejuízos do que eles e, muito possivelmente, continuarão a pagar preço alto na retomada. Em todo o mundo, entre as mulheres empregadas, 40% delas ocupam postos de trabalho nas áreas que mais perderam vagas durante a quarentena – varejo, hotelaria, alimentação.

Os dados são do Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (Ipea) que, segundo Caterine, não considerou outras categorias ainda mais vulneráveis. “A profissionais liberais, manicures, diaristas, esteticistas estão paradas desde o início da pandemia e são provedoras do lar.”

E qual será, ao fim e ao cabo de todo o drama atual, o resultado desse descompasso? Para a psicóloga Ângela Soligo, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas de Diferenças e Subjetividades em Educação (estudos do racismo, gênero e infância) da Unicamp, trata-se de um recomeço.

“A desigualdade na divisão de tarefas sempre existiu. A pandemia só acentuou. A pergunta que a mulher responde sobre a maternidade precisa ter o mesmo peso de responsabilidade do pai”, diz.

Ângela afirma que 15% das famílias brasileiras são monoparentais, cabendo à mulher o sustento da casa. “Neste contexto de pandemia, quando muitas perderam o emprego, é preciso que haja diálogo para que a relação não desgaste ainda mais”.
Embora em aparente desvantagem, as mulheres têm tudo para recuperar o terreno.

Não é pouca coisa, e pode representar a faísca de um interessante movimento social, agora construído em bases mais fortes, com as mulheres já razoavelmente encaixadas no quebra-cabeça do emprego, com mudança nos escritórios e fábricas que ecoará nas residências. “Pode ser o início de uma grande mudança para a sociedade, com tarefas divididas de forma igualitária”, conclui Ângela.

Fonte: JJ

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