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Resposta ao Dr. Otávio Torres Calvet

  • Francisco Calasans Lacerda

“A comunidade jurídica trabalhista está desnorteada com as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal…” com esta frase, o ilustre Magistrado, Dr. Otávio Torres Calvet, dá início ao texto de suas considerações político-jurídica fazendo crer que iria concluir seu brilhante artigo em defesa da Justiça do Trabalho atribuindo toda a culpa ao Supremo Tribunal Federal, mas, para surpresa do leitor começa logo a distanciar-se dessa linha de raciocínio para assumir toda a culpa pela provável – em sua opinião –  extinção da Justiça do Trabalho a si próprio a seus colegas de Magistratura, usando o pronome pessoal no plural. Para não deixar dúvida de que a postura do articulista é político-jurídica, transcrevo outra expressão contida no referido texto: “fomentamos um estado de coisas para manter a chama do Direito do Trabalho e, com isso, infantilmente esquecemos que sem capitalismo simplesmente não existe relação de emprego. Aviltamos nosso garantidor, o empresário.” Mais adiante: “… perdemos o bonde da história quando relegamos ao segundo plano as demais relações de trabalho, priorizando a relação de emprego como o eldorado da proteção trabalhista entendendo que qualquer regulamentação diferente seria precarização.”

Peço minhas desculpas ao nobre expositor para com a minha franqueza, assaz respeitosa, discordar e dizer-lhe que o mal começa com a falta de vocação para a Magistratura Trabalhista cujo melhor exemplo disso é ele mesmo que nos dá com suas próprias palavras.

Sua acusação inicial ao STF, poderia ter descambado para o reconhecimento de que a magna corte tem proferido nos últimos tempos decisões infelizes no que diz respeito à organização sindical brasileira, das quais cabe destaque àquelas que inibem o seu direito de custeio pela categoria representada. Entretanto, tal atordoamento a que se refere o ilustre magistrado articulista, que infelizmente é real, provém de outros fatos dentre os quais, além da já citada falta de vocação, a arrogância de muitos, consequente de um complexo de inferioridade que os levou, por exemplo, a preferirem aplicar o Código do Processo Civil, não subsidiariamente, mas como prioridade, em detrimento das regras trabalhistas. Esse complexo de inferioridade é que propiciou desejos de mudanças na própria estrutura da Justiça do Trabalho, como por exemplo, a extinção da representação classista que a caracterizava como justiça federal especializada. Preceitos básicos que norteavam a Justiça do Trabalho como a concepção da hipossuficiência do obreiro em relação ao seu empregador; a irrenunciabilidade do direito; o natural temor reverencial que obriga o obreiro a aceitar o inaceitável etc.; foram sendo gradativamente desprezados a ponto de serem considerados ridículos, atualmente. Tudo feito em nome das regras básicas do direito comum, como por exemplo a autonomia da vontade das partes, cuja importância social, mesmo sendo gigantesca, é incomparável à natureza social do Direito do Trabalho.  Ao jurista pouco afinado com a questão social no mundo do trabalho e com o próprio humanismo é imperceptível. Eis aí o maior mal, posto que, ao humanista é impossível conceber a ideia de quem pode mais sofrer menos. O vínculo empregatício está sendo ridicularizado sob a alegação de que o indivíduo deve ser o dono de sua própria vontade e isso constitui o maior dos pecados que se poderia cometer no âmbito da relação capital e trabalho, porquanto isso é permitir-se que um ser humano seja explorado por outro que pode mais. Ora, o Estado foi concebido exatamente para evitar isso. o problema, portanto, é mais amplo: não é apenas a Justiça do Trabalho que se encontra atordoada. Há uma enorme carência no âmbito do Direito, como Ciência Social, humanista. Eis aí o cerne da questão. Sendo fruto do bom senso é perceptível ao Jurista vocacionado a diferença entre as forças do capital e do trabalho, mesmo que filosoficamente se possa asseverar que, por si só, um não existe sem o outro e que o Estado tem o dever de proteger a ambos, até porque o progresso da nação está sempre a depender dessa harmonia.

A mania, já envelhecida, de impor desgaste na legislação trabalhista brasileira persiste no nobre Magistrado articulista, quando menciona de forma pouco respeitosa o nome do Presidente Getúlio Vargas, como se ele fosse um ditador do proletariado, ao que, aliás, o expositor demonstra alhures certa repugnância. Na verdade, Getúlio Vargas teve sensibilidade suficiente para enxergar um futuro longínquo – que são os dias atuais – onde mudanças perigosas poderiam acontecer e quis evitá-las, mudanças que o articulista defende em sua proposição, sem atentar para o risco que corre a Paz Social que é, sem dúvida, o bem maior a ser buscado por todos, principalmente pelos juristas.  Ao operador do Direito, seja qual for o segmento, será muito mais louvável ter sempre presente o mandamento constitucional que sugere “construir uma sociedade livre, justa e fraterna” ( CF-Art.3º, I), posto que de fundamental importância que o Direito, como ciência social que é, não permita que a injustiça se estabeleça na relação de emprego, de modo que se cumpra igualmente o artigo 1º, II,III e IV, preservando-se, destarte, A CIDANIA, A DIGNIDADE HUMANA E OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA. Dentro desses parâmetros é que devem atuar: sindicatos, Justiça do Trabalho, Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil.

A relação de emprego sempre dignifica. Aliás, prova maior disso é a avidez nos concursos públicos. Não sei se seria justo perguntar-se ao ilustre articulista se ele se sentiria mais seguro sem as garantias peculiares ao cargo que ocupa.

São Paulo 14 de junho de 2023.

  • Francisco Calasans Lacerda é Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob nº 63.578, Diretor da CONTRATUH e da FETRHOTEL e Presidente do SINTHORESP.

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